LGBTs no campo: a luta de uma mulher trans quilombola contra o preconceito

‘Resistir para existir’: a luta de uma mulher trans quilombola contra o preconceito

‘Resistir para existir’: a luta de uma mulher trans quilombola contra o preconceito

Não demorou muito para Adda Vytoria Caetano entender quem realmente era. Aos 10 anos, ela conversou com a mãe e disse que era transgênero.

“Minha mãe, de certa forma, me deu conselhos: ‘Olha, meu filho, tu é negro, pobre e ao mesmo tempo nós somos agricultores, moramos em uma comunidade quilombola. Você sabe que vai sofrer pedradas da vida”, relata.

Hoje, aos 37 anos, ela é liderança do território quilombola Conceição dos Caetanos, no município de Tururu (CE).

🔎 Quilombos são comunidades históricas formadas por descendentes de escravizados. Eles se identificam por laços com a terra e ancestralidade, têm cultura e tradições próprias.

Ser uma liderança não a impede de sofrer preconceito dentro da própria comunidade.

Alguns moradores insistem em chamá-la pelo nome de nascimento, conta. Outros duvidam da sua capacidade de cuidar da horta ou de participar das decisões do quilombo.

Adda também lidera um grupo de jovens da comunidade. Porém, muitos pais resistem em deixar os filhos participarem.

“Porque existe essa ideia de sexualidade, nesse sentido de que nós vemos os outros corpos masculinos só com desejo. Mas é o contrário: eu queria trazer os jovens da comunidade para um espaço onde eles tivessem o diálogo”, explica.

“Os pais começaram a perceber que os filhos não estavam mais na esquina, estavam fazendo alguma ação social e participando de capacitação”, completa. Dessa forma, o preconceito foi sendo quebrado, diz Adda.

Existe LGBT no campo: as histórias de quem enfrenta o preconceito

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Provar que existe

Adda fundou um coletivo de diversidade quilombola chamado África Nordestina e gere o grupo LGBT da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Nesse papel, ela relata que é difícil levantar dados sobre a população LGBT quilombola. Muitas lideranças dizem que não há pessoas LGBTs em seus territórios, o que dificulta as pesquisas.

A falta de dados atualizados e oficiais dificulta entender quem são essas pessoas e quais são suas necessidades.

Segundo Adda, os levantamentos nacionais também precisam ser aprimorados. Isso porque não trazem a identificação como quilombola entre as alternativas para os entrevistados, dificultando um retrato preciso da população.

Preconceito estrutural

O preconceito também está presente de forma estrutural: falta emprego, acesso a saúde, educação e segurança pública. Entenda mais abaixo.

“Na construção da sociedade brasileira, alguns recortes foram menos priorizados do que outros: as populações negras, quilombolas, LGBTs, indígenas foram colocadas como de menor importância”, afirma.

➡️Emprego: a quilombola afirma que existe um pensamento de que as pessoas trans não são responsáveis ou não querem crescer profissionalmente.

“E na maioria das vezes, os LGBTs veem que o jeito é ir embora do quilombo para procurar outra sobrevivência”, conta a ativista.

➡️Políticas públicas: programas como os de agricultura familiar e geração de renda quase não chegam para pessoas LGBTs quilombolas. Segundo Adda, a baixa conectividade dificulta o acesso à informação e à inscrição.

“Às vezes eu me questiono quais são esses direitos humanos que na Constituição estão garantidos, mas que na prática eu não tenho acesso”, afirma.

➡️Segurança: na zona rural, números de telefone que não funcionam e a distância das delegacias tornam “impossível para o LGBT denunciar”, relata a quilombola.

➡️Saúde: Adda relata que, ao pedir um check-up com exame de sangue, por meio do programa Médicos Sem Fronteiras, foi encaminhada direto para testes de doenças sexualmente transmissíveis, só por ser uma mulher trans. Segundo ela, isso é comum.

➡️Educação: Adda afirma que escolas rurais não estão preparadas para acolher crianças trans. Além disso, há bullying e falta de transporte escolar, o que leva muitos a abandonar os estudos.

“Porque já existe a problemática familiar da aceitação, de ser uma família de agricultores que são de baixa renda e não têm essa mentalidade [de continuar na escola], então não fica nessa pressão. Na maioria das vezes, acontece o ato final do suicídio”, relata.

No caso da população quilombola, há ainda o racismo. “Para a gente existir, a gente precisa resistir”, afirma.

Saiba mais sobre a cidade de Adda — Foto: Arte g1

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