Demissão de Lisa Cook por Trump desafia independência histórica do banco central americano

Donald Trump demite diretora do FED
Pela estrutura legal do Fed, considerado um dos pilares da estabilidade econômica do país, o presidente dos EUA não tem autoridade direta para demitir membros do conselho sem comprovar uma falta grave.
A tentativa de afastamento sem o devido processo gera preocupações sobre a integridade institucional do banco central. A decisão de Trump, portanto, pode gerar riscos aos mercados financeiros, que ainda avaliam os efeitos do “tarifaço”.
Paul Donovan, economista-chefe do UBS, alerta que o Fed pode se tornar o próximo “bode expiatório” da economia — quando um grupo é responsabilizado pela insegurança econômica. Segundo ele, no início do ano, a política dos EUA estava centrada no discurso de que “a culpa é dos estrangeiros”.
“Embora a maioria dos eleitores dos EUA tenha apenas uma compreensão vaga do que é o Fed, ele é um bode expiatório conveniente para a fraqueza econômica. Desafiar a independência do Fed terá consequências econômicas negativas.”
Entenda a seguir:

A diretora do Federal Reserve Lisa Cook e o presidente dos EUA, Donald Trump — Foto: Saul Loeb e Andrew Caballero-Reynolds/AFP
A diretora do Federal Reserve Lisa Cook e o presidente dos EUA, Donald Trump — Foto: Saul Loeb e Andrew Caballero-Reynolds/AFP
Por que a demissão é inédita?
A demissão de um membro do Conselho de Governadores do Fed por decisão direta do presidente é inédita. O Federal Reserve foi estruturado para proteger a política monetária de pressões políticas.
Seus integrantes têm mandatos longos e escalonados, não podem ser autoridades eleitas nem membros do Executivo — o que garante estabilidade e continuidade nas decisões econômicas.
O Fed também não depende do orçamento do Congresso e não submete suas decisões ao aval do presidente ou do Legislativo.
Essa independência assegura que o banco central atue com foco em metas de longo prazo, como pleno emprego e estabilidade de preços, sem ceder a interesses eleitorais ou imediatistas.
Como funciona o Federal Reserve?
O Federal Reserve é formado por três entidades principais:
- Conselho de Governadores: com sede em Washington, D.C., reúne sete membros indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado. Supervisiona os 12 Bancos de Reserva Regionais e participa das decisões de política monetária.
- Bancos de Reserva Regionais: distribuídos em 12 distritos nos EUA, funcionam como braços operacionais do sistema.
- Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC): define a política monetária, como a taxa de juros, e é composto pelos membros do Conselho e pelos presidentes dos Bancos Regionais.
O Fed também presta contas ao Congresso com relatórios semestrais, depoimentos públicos e divulgação de atas e balanços auditados, mantendo equilíbrio entre autonomia técnica e responsabilidade pública.
Riscos à credibilidade
A tentativa de Trump de intervir diretamente na composição do Conselho do Fed acende alertas sobre a politização da política monetária.
- A credibilidade do banco central americano — considerado o mais poderoso do mundo — depende justamente de sua capacidade de tomar decisões técnicas, livres de interferência política.
Especialistas destacam que medidas como essa podem desestabilizar os mercados financeiros, sobretudo em um momento já delicado, marcado pelos efeitos das tarifas comerciais.
Lula x Campos Neto
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez duras críticas ao ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, motivadas pela elevada taxa básica de juros, mas jamais chegou perto de uma investida oficial contra o BC.
“Nesse país se brigou muito para ter um Banco Central independente, achando que ia melhorar o quê? Eu posso te dizer com a minha experiência, é uma bobagem achar que o presidente do Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente era que indicava.”
A autonomia do BC foi sancionada em 2021 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, após aprovação no Congresso Nacional. A lei estabeleceu mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores do BC, não coincidentes com o mandato presidencial.
A medida busca blindar a instituição de pressões político-partidárias: como a diretoria não pode ser demitida por elevar a taxa de juros, a atuação passa a ser mais técnica, com foco no combate à inflação.
Entre suas atribuições, cabe ao Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, definir a Selic, a taxa básica de juros da economia.
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*Com informações das agências Reuters e AFP.