As fábricas secretas onde a Ucrânia constrói seus novos mísseis de longo alcance

O míssil Flamingo é um novo míssil de cruzeiro ucraniano de longo alcance, projetado para ataques profundos contra a Rússia, com um alcance de até 3 mil km — Foto: Moose Campbell/BBC
O míssil Flamingo é um novo míssil de cruzeiro ucraniano de longo alcance, projetado para ataques profundos contra a Rússia, com um alcance de até 3 mil km — Foto: Moose Campbell/BBC
Somos levados com os olhos vendados para um local secreto onde a Ucrânia está fabricando uma das suas mais recentes armas.
Somos instruídos a desligar nossos telefones — tal é o sigilo em torno da produção do míssil de cruzeiro ucraniano Flamingo.
Para a Ucrânia, dispersar e ocultar a produção de armas como esta é fundamental para sua sobrevivência. Duas fábricas pertencentes à empresa que as produz — Fire Point — já foram atingidas.
Dentro da fábrica que estamos visitando, somos instruídos a não filmar nenhum elemento, como pilares, janelas ou tetos.
Também somos solicitados a não mostrar os rostos dos trabalhadores na linha de montagem, onde os mísseis Flamingo se encontram em vários estágios de conclusão.
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Mesmo sob fogo cruzado, a Ucrânia está intensificando sua indústria de armas.
O presidente Volodymyr Zelensky afirma que o país agora produz mais de 50% das armas que utiliza na linha de frente. Quase todo o seu inventário de armas de longo alcance é fabricado internamente.
No início da guerra, a Ucrânia dependia principalmente do seu antigo arsenal da era soviética. O apoio militar ocidental ajudou a modernizar as forças armadas do país, mas os ucranianos passaram a ser líderes no desenvolvimento de sistemas não tripulados, como robôs e drones.
Agora, os mísseis de cruzeiro produzidos internamente estão aumentando a capacidade de longo alcance da Ucrânia.
Iryna Terekh é diretora técnica da Fire Point, uma das maiores fabricantes de drones e mísseis da Ucrânia, cujo lema em latim pode ser traduzido como “se não formos nós, então quem?”.
A mulher de 33 anos estudou arquitetura, mas agora está tentando ajudar a desmantelar a máquina de guerra russa.
Ela parece minúscula diante do gigantesco míssil Flamingo, que, segundo ela, foi pintado de preto e não de rosa (ao contrário dos primeiros protótipos) “porque come petróleo russo”.
O produto final é semelhante ao foguete alemão V1, da Segunda Guerra Mundial. Consiste em um grande motor a jato colocado no topo de um tubo com o comprimento de um ônibus londrino.
Eles já foram usados em combate, embora a empresa não confirme alvos específicos.

Irena Terekh, da Fire Point, afirma que o míssil Flamingo é preto porque “come petróleo russo”. — Foto: Moose Campbell/BBC
Irena Terekh, da Fire Point, afirma que o míssil Flamingo é preto porque “come petróleo russo”. — Foto: Moose Campbell/BBC
O Flamingo é o tipo de arma de ataque profundo que as nações ocidentais têm relutado em fornecer.
O míssil de cruzeiro tem um alcance de 3 mil km. É semelhante ao Tomahawk, fabricado nos EUA, uma arma mais sofisticada e cara que o presidente Donald Trump se recusou a fornecer à Ucrânia.
Mas esses ataques profundos – realizados muito além da linha de frente, atingindo alvos estratégicos no interior do território inimigo – são vistos como uma parte crítica da guerra. Para isso, a Ucrânia tem usado principalmente drones de longo alcance.
O país ainda está perdendo terreno para a Rússia em uma linha de frente que se estende por mais de mil quilômetros. Portanto, a Ucrânia está cada vez mais tentando atingir a economia de guerra da Rússia, para retardar esses avanços.

O nome Flamingo é uma referência aos primeiros protótipos dos mísseis, que eram pintados de rosa. — Foto: Moose Campbell/BBC
O nome Flamingo é uma referência aos primeiros protótipos dos mísseis, que eram pintados de rosa. — Foto: Moose Campbell/BBC
Ruslan, um oficial das Forças de Operações Especiais da Ucrânia, afirma que a estratégia é simples: “Reduzir as capacidades militares do inimigo e o seu potencial econômico.”
Ele afirma que as Forças de Operações Especiais da Ucrânia realizaram centenas de ataques a refinarias de petróleo, fábricas de armas e depósitos de munições — bem no interior do território inimigo.
É claro que a Rússia tem feito o mesmo, e em maior escala. Em média, tem lançado cerca de 200 drones Shahed por dia; a resposta da Ucrânia tem sido cerca de metade desse número.
A Rússia também não está limitando seus ataques a alvos militares. Seus ataques com mísseis de longo alcance e drones causaram cortes de energia em todo o país, dificultando a vida de milhões de civis.
“Gostaria de lançar tantos drones quanto a Rússia”, diz Ruslan. “Mas estamos crescendo muito rapidamente”.
Terekh, da Fire Point, afirma que a Ucrânia pode não ser capaz de igualar os recursos da Rússia, mas, segundo ela, “estamos tentando lutar com inteligência e tática”.
Denys Shtilerman, designer-chefe e cofundador da empresa, admite que não existe uma “Wunderwaffe” – ou arma milagrosa.
“O que muda o jogo é a nossa vontade de vencer”, afirma ele.
A Fire Point nem sequer existia antes da invasão em grande escala da Rússia, em 2022. Mas a startup agora produz 200 drones por dia.
Os seus drones FP1 e FP2, cada um do tamanho de um pequeno avião, realizaram 60% dos ataques de longo alcance da Ucrânia. Cada drone custa cerca de 50 mil dólares (R$ 276 mil) – três vezes mais barato do que um drone russo Shahed. A Rússia ainda produz quase 3 mil desses drones por mês.
A Ucrânia ainda precisa de ajuda externa, principalmente em termos de inteligência, identificação de alvos e dinheiro. Mas está tentando ser mais autossuficiente.
Terekh afirma que tomaram a decisão deliberada de adquirir o maior número possível de componentes na Ucrânia.
“Seguimos o princípio de que ninguém pode influenciar as armas que fabricamos”, afirma ela. Eles evitam peças provenientes de dois países específicos: China e Estados Unidos.
Quando questionada sobre por que não deveria haver componentes americanos, ela responde: “Estamos em uma montanha-russa emocional [com os EUA]. Amanhã, alguém pode querer encerrar o programa, e não poderíamos usar nossas próprias armas”.
Até o final do ano passado, sob o governo do presidente Biden, os Estados Unidos forneceram quase US$ 70 bilhões (R$ 386 bilhões) em apoio militar à Ucrânia. Isso foi rapidamente interrompido pelo presidente Trump, que criou um esquema para permitir que a OTAN europeia comprasse armas americanas.
Os EUA não são mais o maior apoiador militar da Ucrânia, e a Europa tem se esforçado para preencher a lacuna deixada pelos Estados Unidos ou para igualar o apoio anterior.
As preocupações com o futuro apoio dos EUA se estendem às discussões sobre futuras garantias de segurança dos americanos – uma questão fundamental nas atuais negociações de paz.
Terekh classifica as negociações em andamento como “negociações de submissão” e afirma que a Ucrânia fabricar suas próprias armas “é a única maneira de realmente fornecer garantias de segurança”.
A ex-estudante de arquitetura também espera que o resto da Europa esteja observando e aprendendo lições.
“Somos um exemplo sangrento”, diz ela, “em termos de preparação para a guerra”.
Terekh afirma que, se qualquer outro país tivesse enfrentado o mesmo ataque que a Ucrânia, “já teria sido conquistado”.
Reportagem adicional de Volodymyr Lozhko e Kyla Herrmannsen.


