Donald Trump normalizou ódio de racistas brancos nos EUA, diz analista
As manifestações racistas de Charlottesville, no mês passado, são uma prova de que o fascismo entrou no centro da política dos EUA nos últimos anos, segundo a cientista política Nancy Love. Professora da Universidade Appalachian, em Boone, na Carolina do Norte, a poucas horas de carro de Charlottesville, ela diz que o governo de Donald Trump consolidou a tendência de “normalizar o ódio”. Autora do livro “Trendy Fascism”, lançado nos EUA no ano passado, Love analisou como os racistas usam expressões culturais (especialmente a música) para se fortalecer politicamente. A pesquisadora evita, entretanto, culpar diretamente Donald Trump por essa presença do fascismo no mainstream político e ressalta as diferenças institucionais entre os EUA e regimes propriamente fascistas. Love explica que grupos racistas sempre proliferaram em “espaços escondidos do ódio”, mas que agora esses locais foram levados à internet, o que facilitou a ligação entre eles em todo o mundo. Além disso, avalia, há uma tendência em normalizar o fenômeno desde a eleição de Trump. “Ao evitar denunciar os racistas brancos, ele lhes deu espaço.” A saída de Steve Bannon do cargo de estrategista-chefe do governo Trump diminui um pouco a representação óbvia dos racistas da Casa Branca, de acordo com a pesquisadora, mas não resolve o problema. “Representações mais sutis e simbólicas incluem a presença de homens brancos em fotos na Casa Branca, além do próprio Trump.” O crescimento de movimentos racistas nos EUA se deve a vários fatores, segundo Love: mudanças demográficas, aumento da desigualdade, instabilidade econômica e uma reação à presidência de Barack Obama. “Apesar de o estereótipo de um supremacista branco ser a imagem de um branco pobre, sem educação e com raiva, o movimento é mais complexo. Ele inclui brancos com muita educação, relativamente ricos, além de mulheres e crianças brancas”, diz. MÚSICA A pesquisa de Love se baseou na importância da música para grupos racistas. Segundo ela, em muitas instâncias nos EUA, canções ligadas à ideia de ‘poder branco’ substituíram discursos e textos como principal veículo pelo qual a mensagem racista é propagada. Apesar de analisar o fenômeno do racismo nos Estados Unidos, a pesquisadora avalia que essa questão vai além das fronteiras americanas atualmente. “O supremacismo branco envolve uma aliança global entre grupos que antes estavam separados, como a Ku Klux Klan, neonazistas e skinheads. O movimento é transnacional e ‘transtradicional’, ou seja, ele se apropria de símbolos de múltiplas culturas para criar uma identidade branca global híbrida”, afirma Love. Ela não concorda, entretanto, com movimentos que defendem a censura dos grupos racistas nos EUA. A questão vai além da liberdade de expressão desses grupos, defendida por organizações de direitos humanos como a União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu, na sigla em inglês). Para ela, a censura é contraproducente. “Duvido que essas medidas funcionem na era das redes sociais. A maior probabilidade é que elas levem os supremacistas brancos a se esconderem e a reforçarem seu sentimento equivocado de perseguição”, disse. Em vez de proibir, ela acha que é mais importante entender o fenômeno. “Muitos americanos brancos não reconheceram as implicações da retórica de campanha de Trump. Já passou da hora de os americanos brancos aceitarem responsabilidade por transformar a longa história de supremacismo dos EUA.”