EUA, Israel e Venezuela: veja semelhanças e diferenças entre atritos vividos pelo governo Lula com outros países

Desde que assumiu a Presidência da República para seu terceiro mandato, em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem dedicado parte da agenda a discutir assuntos ligados à política externa, viajando a outros países para reuniões com chefes de Estado e de governo e participando de encontros de organismos multilaterais.

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Internamente, essa é a chamada diplomacia presidencial, em que o presidente da República se envolve diretamente em questões que relacionadas a articulações e negociações diplomáticas, conduzidas prioritariamente pelo Ministério das Relações Exteriores sob as orientações do Palácio do Planalto.

Diante disso, o g1 lista abaixo algumas semelhanças e diferenças relacionadas a esses atritos:

Semelhanças

  • Líderes não se falam

Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil no mundo, atrás somente da China, mas Lula e o presidente Donald Trump não se falaram desde que o americano tomou posse, em janeiro deste ano.

Lula já disse que aceita falar com Trump, mas somente sobre as questões comerciais, acrescentando que, enquanto o presidente americano quiser decidir como as instituições brasileiras devem agir, o brasileiro não conversará com o chefe da Casa Branca. O petista entende que esta é uma questão de respeito à soberania do Brasil.

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O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão equivalente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil, reconheceu Maduro como vencedor da eleição, mas a oposição afirma que houve fraude e que, se as atas eleitorais fossem divulgadas, demonstrariam a vitória de Edmundo González. A Suprema Corte venezuelana, alinhada a Maduro, proibiu a divulgação das atas e reconheceu a reeleição dele.

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  • Ataques ao Brasil

Nesse cenário de atrito com o Brasil, os países passaram a dirigir ataques ao Brasil e a reproduzir informações falsas.

  • Pressão por acordo

Outro ponto semelhante nesses atritos é que o governo Lula tem cobrado a negociação ou o cumprimento de acordos já firmados por esses países.

No caso da Venezuela, o Brasil cobra o cumprimento do chamado Acordo de Barbados, que previu eleições limpas e transparentes na Venezuela, com a participação efetiva da oposição. Diante do cenário que se estabeleceu, com opositores não conseguindo registrar candidaturas e sendo presos, e a não divulgação das atas, o Palácio do Planalto passou a dizer que houve uma “quebra de confiança” em relação ao governo Maduro.

Já no caso dos Estados Unidos, o Brasil cobra negociações em torno do tarifaço. O governo Lula acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC), e diversos integrantes do primeiro escalão têm tentado discutir a questão com assessores de Trump, a exemplo do chanceler Mauro Vieira e dos ministros Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio) e Fernando Haddad (Fazenda).

Em relação ao governo Netanyahu, o Brasil tem cobrado o cumprimento de acordos que garantem a entrada de ajuda humanitária de forma ininterrupta em Gaza. Relatórios internacionais têm mostrado que essa ajuda tem enfrentado dificuldades para chegar aos palestinos, o que o Brasil já disse que pode configurar crime de guerra.

O governo brasileiro também tem defendido que o governo israelense e o Hamas cheguem a um acordo de cessar-fogo permanente.

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Diferenças

  • Origens dos atritos

As origens desses atritos são distintas, passam por questões comerciais, políticas e diplomáticas.

No caso dos Estados Unidos, a origem do atrito é comercial com componentes políticos e até diplomáticos. O governo Trump alega que é necessário impor a tarifa de 50% a produtos brasileiros porque a relação comercial com o Brasil gera prejuízo para a economia americana, o que contraria os números oficiais. Além disso, Trump aborda a questão jurídica de Bolsonaro.

Já em relação a Israel, a origem do atrito é diplomática. Lula disse em 2024 que Israel pratica em Gaza o mesmo que Hitler praticou contra os judeus.

Desde então, o governo brasileiro vem reiterando haver na região um “genocídio” e uma “carnificina”, defendendo que as tropas de Netanyahu deixem a região completamente, acrescentando que israelenses agem como “colonos” com os palestinos.

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Com a Venezuela, a origem do atrito é política. O governo Maduro reagiu mal à cobrança feita por Lula, assim como outros líderes internacionais, de que as atas eleitorais deveriam ter sido divulgadas. Maduro foi reconhecido presidente pelo CNE e pela Suprema Corte local, mas a oposição diz que a divulgação comprovaria a vitória de Edmundo González.

  • Como a diplomacia tem lidado

Para cada país, o Brasil adotou uma estratégia diferente.

No caso dos Estados Unidos, o chanceler Mauro Vieira teve contato recente com o secretário de Estado americano, Marco Rubio. A avaliação é que Gabriel Escobar, atual chefe da embaixada americana no Brasil, não é um emissário direto de Trump, portanto, não teria o aval da Casa Branca para negociar o tarifaço.

Já quanto a Israel, desde 2024 o Brasil está sem embaixador no país, deixando a embaixada em Tel Aviv sob o comando de um encarregado de negócios. Na linguagem diplomática, isso reforça ao governo Netanyahu que as relações estão estremecidas.

  • Consequências

As consequências têm sido distintas em relação aos atritos com esses países.

Já no caso da Venezuela, Lula e Maduro, até então aliados, não se falam há cerca de um ano.

‘Correção de rota’

Para o professor Amâncio Jorge, do departamento de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Lula já deveria ter tentado uma “correção de rota” em relação à forma de lidar com os Estados Unidos diante do tarifaço, embora o petista esteja “completamente correto” ao não aceitar discutir a questão do ex-presidente Bolsonaro com o americano.

Na avaliação do professor, um tom mais “duro” de Lula pode ter reflexos internos positivos para o presidente, mas “dificultar” as negociações com os EUA.

Lula e Trump — Foto: Adriano Machado/Reuters; Evelyn Hockstein/Reuters

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“Se o objetivo for angariar apoio interno, o tom duro passa uma imagem mais poderosa, com potencial eleitoral. Para o objetivo de mitigar, ainda que não resolva completamente [ o tarifaço], o tom dificulta. Então, depende muito de qual é o objetivo. Me parece ser uma mensagem, mais que tudo, eleitoral, muito embora a firmeza seja necessária”, afirmou.

Para o professor, este é um “momento novo” da política externa brasileira, com o país tomando lado em discussões internacionais em razão de estratégias internas, mas simultaneamente considerando o cenário internacional como um todo – como exemplificado pela aproximação mais intensa dos países do Brics.

Nesse contexto, Amâncio Jorge ressalta que, atualmente, o Brasil não consegue mediar conflitos entre Rússia e Ucrânia ou entre Israel e Hamas porque deu um “passo maior que a perna”.

“O Brasil não tem estrutura para mediar o conflito Ucrânia x Rússia. Alguns conflitos no Oriente Médio, idem. O Brasil, na crença de que poderia fazer isso, me parece que deu um passo maior que a perna. Na América Latina, o Brasil tinha mais estatura, mas mesmo na região me parece que o Brasil perdeu algum nível de protagonismo”, disse.

“Acho que tem aí uma somatória das duas coisas: atitudes fora do tom e o contexto”, completou.