Montadoras mudam discurso e agora querem previsibilidade

Desde sua origem, a indústria automotiva nacional sempre fez parte de programas de desenvolvimento elaborados por diferentes governos. É assim desde 1956, quando foram definidas as bases da produção com grande incentivo ao conteúdo local, embora a maior parte das empresas atuantes no setor fosse multinacional. Os movimentos feitos ao longo desses 61 anos ajudam a entender o que culminou com o prazo dado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para suspensão do programa Inovar-Auto. O que está sendo feito agora é tentar retardar punições enquanto o novo programa, chamado Rota 2030, não é lançado. As novas regras, pautadas em segurança e eficiência energética, devem ser conhecidas em novembro. Não houve grandes problemas com o comércio internacional enquanto o mercado automotivo era pouco expressivo —como à época da proibição das importações, entre 1976 e 1990. Ou quando as medidas visavam estimular vendas, como a recorrente variação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Essa medida de socorro foi implementada em 1998 no governo de Fernando Henrique Cardoso e revisitada nas gestões de Lula e Dilma. Porém, ao criar barreiras ao comércio exterior enquanto ainda acreditava estar livre de crises, o governo mostrou ainda não entender que o setor automotivo passava por mudanças profundas mundo afora, com o crescente protagonismo de fornecedores. As ações protecionistas sempre eram voltadas a quem montava carros, não a quem fazia boa parte de suas peças. Foi nessa ponta que o desemprego mais cresceu. Fragilizado por anos seguidos de queda na produção, o parque de fornecedores não tem capacidade para desenvolver e entregar componentes exigidos por carros modernos —justamente os que são feitos em fábricas erguidas após novas medidas de estímulo à produção local. As linhas de montagem recebem componentes importados e se valem dos benefícios do programa Inovar-Auto, que surgiu tarde e manteve erros do passado em tempos modernos, abrindo margem para as queixas da OMC. Por outro lado, o Inovar-Auto marcou o começo da ruptura com o antigo modelo, pautado por ações pontuais de incentivo. O programa levou a uma nova atitude por parte das empresas há mais tempo no mercado. As montadoras que mais investiram para se adaptar a novas regras de eficiência foram as mesmas que, em dezembro de 2011, não reclamaram da alíquota de 30% sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) cobrado dos importadores. Na época, marcas sul-coreanas se consolidavam ao competir em igualdade com os carros feitos no Brasil, enquanto as chinesas começavam a chegar, com planos aparentemente grandiosos. Com o tempo e a queda nas vendas causada pela crise econômica, o cenário mudou. Os chineses mostraram ser realmente fortes no fornecimento de componentes. Sem carros competitivos, hoje procuram se recuperar com operações modestas. A Chery, que construiu fábrica em Jacareí (São Paulo), retoma a produção enquanto reestrutura sua rede de revendas. JAC e Lifan direcionam esforços para o setor de utilitários esportivos. Esses movimentos ocorreram em meio à retração do mercado e serviram para que as empresas, com ou sem fábrica no país, mudassem o discurso: pedidos pontuais de auxílio foram trocados pela busca de previsibilidade.