Novo ‘Blade Runner’ guarda ‘universo próprio’, diz ator/roqueiro Jared Leto
Na noite do último domingo (24), Jared Leto estava elétrico: sobrevoou o público do Rock in Rio numa tirolesa, dançou com a bandeira brasileira e comeu açaí no palco durante o show de sua banda, Thirty Seconds to Mars. Na manhã seguinte, para falar do personagem que interpreta no novo “Blade Runner”, ele se esforçava para dar ares monásticos a suas respostas e evitava apertos de mão (cumprimentava com um soquinho no punho). Difícil crer que não estivesse usando mais uma máscara de sua cartela. “No palco eu sou eu mesmo, cara”, diz Leto à Folha, num hotel de Ipanema. No cinema, contudo, ele nutre a fama de excêntrico e de ir às vezes longe demais na construção de seus personagens. Diz-se que Leto teria feito greve de sexo para viver um “junkie” em “Réquiem para um Sonho” (2000) e enviado camisinhas usadas para seus colegas de elenco em “Esquadrão Suicida” (2016). Ele desmente. “É tudo história inventada pela imprensa. Meu método não tem segredo: é só trabalho duro”, afirma o ator/cantor americano, que veste camisa florida e calça vermelha que, somadas à barba comprida, dão a ele um ar riponga –sua mãe, aliás, foi hippie. Aos 45 anos, Leto vive o empresário Niander Wallace, o antagonista de “Blade Runner 2049”, continuação do clássico de ficção científica de 1982. Nessa segunda parte, o britânico Ridley Scott cede as rédeas do projeto ao canadense Denis Villeneuve, de “A Chegada”. “O novo filme não parece ser uma sequência, ele guarda um universo próprio”, afirma Leto, policiando-se para não entregar “spoilers” do longa, que estreia no dia 5/10. Jared Leto descreve seu personagem como uma mistura entre magnatas visionários como Steve Jobs, Bill Gates e Elon Musk, o fundador da Tesla Motors. “Wallace salvou o planeta da fome, entende o que tem de ser feito para a manutenção da espécie humana”, afirma o ator, que discorda de que seu personagem seja um vilão. “Às vezes temos de cortar algumas ervas daninhas para que as flores brotem.” NEON PARANOICO Quem conhece a trama do filme original vai perceber que o personagem de Leto é quem assume o legado da empresa Tyrell, fabricante dos androides que se rebelam na obra de Scott. No longa de 1982, Rick Deckard, interpretado por Harrison Ford, era um policial incumbido de “aposentar” (exterminar) os tais replicantes revoltosos em nome da sobrevivência da humanidade. No filme de 2017, Ryan Gosling assume o papel de caçar os androides, agora fabricados por Wallace, e tem a missão de encontrar Deckard, que está sumido faz 30 anos. O longa original, um noir futurista, se tornou um dos filmes mais importantes da história por dar arcabouço filosófico a um produto pop. A luta dos replicantes contra seus humanos criadores tinha um quê do poeta William Blake e de seu Lúcifer que se rebela contra o Criador. E abria o debate sobre os limites éticos da engenharia genética e do esgotamento dos recursos do planeta pelo ser humano. Com seus segredos muito bem guardados, pouco se sabe a respeito das metáforas políticas presentes nessa incursão de Villeneuve no universo futurista da trama. O que foi divulgado até agora, contudo, parece sugerir que a crítica possa se voltar aos ímpetos megalômanos dos grandes empresários. Uma alusão a Trump? Leto desconversa. “É fato que politicamente estamos vivendo tempos muito malucos, mas não posso revelar nada [sobre as alegorias do novo filme]”, diz. Com um traje que parece um quimono, seu personagem acaricia os recém-criados androides como Deus toca o homem na obra de Michelangelo. “Há um paralelo ali. Wallace tem fé em suas capacidades de levar o planeta até onde acha que tem de ir.” Outra dica: o personagem de Leto é cego. E o olho tem uma importância simbólica na obra original, que é repleta de cenas com pupilas dilatadas, corujas e óculos. Como janelas da alma, são os olhos que delatam se um sujeito é um replicante ou um ser humano. Das imagens mostradas nos trailers, dá para perceber que “Blade Runner 2049” resgata a riqueza visual do primeiro filme. Estão ali o toque asiático, além dos imensos painéis de neon e da incessante iluminação de giroflex, que incrementa a atmosfera paranoica da história. MÚSICA E TREVAS Quando Jared Leto assumiu inteiramente sua persona roqueira, liderando o Thirty Seconds to Mars, deu uma pausa de quatro anos na carreira como ator. Voltou em 2013, para viver uma transexual soropositiva em “Clube de Compras Dallas”, com o qual ganhou o Oscar de ator coadjuvante. A julgar por suas respostas, contudo, os filmes nunca parecem animá-lo tanto como a música. “O cinema ensina muito, mas nele você está apartado da experiência do público, porque nunca consegue ver a cara das pessoas”, diz ele, no térreo de um hotel cercado por 50 fãs do músico aglomerados na calçada –muitos dos quais nem sequer haviam nascido quando ele começou como ator, em 1992. A música, afirma, tem de ser colorida, festiva, o que explica seus shows agitados. “Há escuridão suficiente no mundo, então a música precisa trazer empolgação.” “Blade Runner”, contudo, é carregado de trevas. Leto justifica: “É que, no caso de um filme, é rapidinho, você explora a escuridão e vai embora depois. É um mergulho para valorizar o que se tem.”